“Antónia” (nome fictício) foi uma das adolescentes vítimas de abuso sexual cujo caso chegou ao meu conhecimento por um técnico que a recebeu numa unidade hospitalar, não interessa qual, mas, do meu ponto de vista procedeu com uma atitude humana e muito responsável, deitando no balde do lixo os tecnicismos exuberantes de cores e mediatismo e louros pessoais.
A vida de
“Antónia” dividia-se entre o seu grupo de amigos e amigas, os afazeres
escolares e a sua família. Estava alegre e feliz no dia de 5ª feira passada,
aparentemente sem nada que a preocupa-se, cúmplice do seu telemóvel, enviava
mensagens para o seu grupo de amigos, ria-se dos sms que lhe eram retribuídos.
Confiava na vida,
confiava ainda mais na sociedade que supostamente a devia proteger. Nesse final
de manhã já o sol raiva sobre os seus cabelos de cor dourada quando de regresso
a casa, vinda da escola é abruptamente assaltada por três indivíduos, que lhe
roubam a mala. Preocupada com toda a documentação que nela se encontra, corre
desenfreada atrás deles, longe de imaginar que seria o pior erro de sua vida.
Chegados a um
beco encoberto e meio escuro, “Antónia” depara-se com o grupo que a roubou e a
aguardava, estremece, mas o seu pensamento apenas está virado para a sua
carteira com documentos, apenas os queria de volta, tudo o resto que ficassem
com ele, até o telemóvel, disse com uma voz trémula.
Um dos três puxa
de uma faca e encosta-a ao seu peito, incrédula, estática, não sabe o que
fazer, é violada pelos três meliantes, jovens robustos que não a deixam sequer
falar ou gritar pois é com certeza a vontade de “Antónia”, receando pela sua
vida nada faz, deixando o seu corpo de adolescente sem resposta, quieta,
impávida mas muito ciente do que lhe estava a acontecer.
Saciados, o grupo
deixa-a prostrada no chão, roupa rasgada e ensanguentada, não antes sem afirmarem
gloriosamente, “já fizemos a mais algumas
aqui das redondezas”.
Com as poucas
forças que lhe restam, dirige-se a casa onde a mãe a aguardava para o almoço,
angustiada, ferida na sua dignidade e profanada no seu corpo conta à mãe o que
se passou, de imediato é transportada ao hospital, tomando a decisão de
apresentar queixa às autoridades, após aconselhamento do pessoal de enfermagem e
médico que a recebeu.
Do hospital, os
tecnicismos foram desviados para o lado, ocupando no seu lugar o humanismo e,
algumas lágrimas de angústia, tomaram a decisão de telefonar para alguém que
sabiam estar preparado para acompanhar esta Mulher e que não estaria sozinha no
longo e penoso processo a que é obrigada uma mulher violada.
Chegada a Lisboa,
essa pessoa a aguardava para a acompanhar, incrédulo ficou quando se vê perante
uma jovem, triste, rasgada, ensanguentada, assustada sem uma palavra proferir
pois a sua boca era uma prova mais que evidente do que lhe tinham feito num
certo e determinado lugar a Sul do Tejo.
Nos serviços do
hospital onde iria fazer as provas periciais, foi tratada como um número e não
como ser humano que é, observando-se a sua condição física e emocional, a que o
seu “protector” se questionou, “mas que
diabos afinal isto funciona assim?”. Os serviços em nada se compadecem com
o estado da adolescente. É emergente minimizar o sofrimento desta jovem, de
nada servindo a informação junto dos serviços sobre a sua condição, pois ainda
passaram à sua frente dois cidadãos, um deles com dor de cabeça, motivo de uma
noitada bem bebida e outro com uma unha encravada, que partiu ao abrir uma lata
de caviar, o sistema encarregou-se de colocar este caso em terceiro plano, uma
simples “agressão”!
“Antónia”
sentia-se suja, com uma vontade enorme de tomar banho, afastar-se de tudo e de
todos, uma multidão era o que menos precisava. Ao fim de três horas de angústia
e interrogatório, lá recebeu a tão esperada “ordem”, pode tomar banho, lavar a
alma, tentar limpar do seu corpo a vergonha que sentia. De regresso a casa, na
viatura que a tinha transportado, pelo menos sentia-se protegida, não estaria com
certeza melhor num transporte público! Sim, inúmeros casos deslocam-se no
transporte público, é surreal mas verdade. Afinal existem tantos programas de
apoio, não é verdade? E o transporte onde está? O apoio humano? Fica na
secretária de certeza.
Desde a violação
até ao atendimento final, esta jovem passou por duas violações, física e
posteriormente por todo um processo de violação emocional e psíquica que
ninguém parece perceber quais os efeitos colaterais sobre o ser humano, tanta
pergunta e espera por isto e por aquilo, agora vai para ali e depois … “não sei
de nada, isso não comigo”.
No caso concreto,
foi dada uma resposta minimamente humana através do transporte, não deixando ao
acaso uma adolescente em completa agonia emocional e posterior recepção no
local de avaliação médica.
Faço uma vénia à Sra. Enfermeira e Médicos que proporcionaram uma resposta eficiente e eficaz, sem dúvida alguma! Sabiam quais os meios ao seu alcance activaram esses meios, sem receios.
Qualquer que seja
o caso de violação, não precisa de mediatismos, precisa sim de respostas
eficazes e eficientes, que sejam minimizadoras do sofrimento e que não o
ampliem.
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