segunda-feira, 27 de abril de 2015

FUI VIOLADA PELA SOCIEDADE...2 VEZES NO MESMO DIA


Fui Violada pela sociedade … 2 vezes no mesmo dia
Vitor Bento Munhão - Assistente Social

“Antónia” (nome fictício) foi uma das adolescentes vítimas de abuso sexual cujo caso chegou ao meu conhecimento por um técnico que a recebeu numa unidade hospitalar, não interessa qual, mas, do meu ponto de vista procedeu com uma atitude humana e muito responsável, deitando no balde do lixo os tecnicismos exuberantes de cores e mediatismo e louros pessoais.

A vida de “Antónia” dividia-se entre o seu grupo de amigos e amigas, os afazeres escolares e a sua família. Estava alegre e feliz no dia de 5ª feira passada, aparentemente sem nada que a preocupa-se, cúmplice do seu telemóvel, enviava mensagens para o seu grupo de amigos, ria-se dos sms que lhe eram retribuídos.

Confiava na vida, confiava ainda mais na sociedade que supostamente a devia proteger. Nesse final de manhã já o sol raiva sobre os seus cabelos de cor dourada quando de regresso a casa, vinda da escola é abruptamente assaltada por três indivíduos, que lhe roubam a mala. Preocupada com toda a documentação que nela se encontra, corre desenfreada atrás deles, longe de imaginar que seria o pior erro de sua vida.

Chegados a um beco encoberto e meio escuro, “Antónia” depara-se com o grupo que a roubou e a aguardava, estremece, mas o seu pensamento apenas está virado para a sua carteira com documentos, apenas os queria de volta, tudo o resto que ficassem com ele, até o telemóvel, disse com uma voz trémula.

Um dos três puxa de uma faca e encosta-a ao seu peito, incrédula, estática, não sabe o que fazer, é violada pelos três meliantes, jovens robustos que não a deixam sequer falar ou gritar pois é com certeza a vontade de “Antónia”, receando pela sua vida nada faz, deixando o seu corpo de adolescente sem resposta, quieta, impávida mas muito ciente do que lhe estava a acontecer.

Saciados, o grupo deixa-a prostrada no chão, roupa rasgada e ensanguentada, não antes sem afirmarem gloriosamente, “já fizemos a mais algumas aqui das redondezas”.

Com as poucas forças que lhe restam, dirige-se a casa onde a mãe a aguardava para o almoço, angustiada, ferida na sua dignidade e profanada no seu corpo conta à mãe o que se passou, de imediato é transportada ao hospital, tomando a decisão de apresentar queixa às autoridades, após aconselhamento do pessoal de enfermagem e médico que a recebeu.

Do hospital, os tecnicismos foram desviados para o lado, ocupando no seu lugar o humanismo e, algumas lágrimas de angústia, tomaram a decisão de telefonar para alguém que sabiam estar preparado para acompanhar esta Mulher e que não estaria sozinha no longo e penoso processo a que é obrigada uma mulher violada.

Chegada a Lisboa, essa pessoa a aguardava para a acompanhar, incrédulo ficou quando se vê perante uma jovem, triste, rasgada, ensanguentada, assustada sem uma palavra proferir pois a sua boca era uma prova mais que evidente do que lhe tinham feito num certo e determinado lugar a Sul do Tejo.

Nos serviços do hospital onde iria fazer as provas periciais, foi tratada como um número e não como ser humano que é, observando-se a sua condição física e emocional, a que o seu “protector” se questionou, “mas que diabos afinal isto funciona assim?”. Os serviços em nada se compadecem com o estado da adolescente. É emergente minimizar o sofrimento desta jovem, de nada servindo a informação junto dos serviços sobre a sua condição, pois ainda passaram à sua frente dois cidadãos, um deles com dor de cabeça, motivo de uma noitada bem bebida e outro com uma unha encravada, que partiu ao abrir uma lata de caviar, o sistema encarregou-se de colocar este caso em terceiro plano, uma simples “agressão”!

“Antónia” sentia-se suja, com uma vontade enorme de tomar banho, afastar-se de tudo e de todos, uma multidão era o que menos precisava. Ao fim de três horas de angústia e interrogatório, lá recebeu a tão esperada “ordem”, pode tomar banho, lavar a alma, tentar limpar do seu corpo a vergonha que sentia. De regresso a casa, na viatura que a tinha transportado, pelo menos sentia-se protegida, não estaria com certeza melhor num transporte público! Sim, inúmeros casos deslocam-se no transporte público, é surreal mas verdade. Afinal existem tantos programas de apoio, não é verdade? E o transporte onde está? O apoio humano? Fica na secretária de certeza.

Desde a violação até ao atendimento final, esta jovem passou por duas violações, física e posteriormente por todo um processo de violação emocional e psíquica que ninguém parece perceber quais os efeitos colaterais sobre o ser humano, tanta pergunta e espera por isto e por aquilo, agora vai para ali e depois … “não sei de nada, isso não comigo”.

No caso concreto, foi dada uma resposta minimamente humana através do transporte, não deixando ao acaso uma adolescente em completa agonia emocional e posterior recepção no local de avaliação médica.

Faço uma vénia à Sra. Enfermeira e Médicos que proporcionaram uma resposta eficiente e eficaz, sem dúvida alguma! Sabiam quais os meios ao seu alcance activaram esses meios, sem receios.

Qualquer que seja o caso de violação, não precisa de mediatismos, precisa sim de respostas eficazes e eficientes, que sejam minimizadoras do sofrimento e que não o ampliem.

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