(*) Manuela Teixeira
1ªparte / Para abrir Diálogos
Longe de se contentar com uma resolução
dos conflitos entre a equipa e algumas famílias o autor quis ouvir e tentar
entender a dor subjacente. Foi suficiente, na grande maioria dos casos,
perguntar o que eles sentiam: "Para você, qual é o mais difícil?”, para
que a agressão ou a raiva começar a desaparecer. Ela tomou então consciência do
esgotamento deles, das suas preocupações, dos seus sentimentos de culpa e da
dificuldade do trabalho de separação, enquanto o paciente não pára de
solicita-los para ajudá-lo a viver.
Embora específico, o sofrimento das
famílias não pode ser isolado das dos pacientes nem dos cuidadores. Por isso,
ela preocupou-se com o sofrimento dos três parceiros.
Ela ouviu atentamente o sofrimento de
todos, considerou em seguida aquele que é comum a todos, com a aproximação da
morte, o seu sofrimento próprio ou a de um ente querido: inquietude, ansiedade,
solidão, ambivalência dos sentimentos, dificuldade para comunicar e falar
autenticamente. Do seu lado, cada um sente a incerteza, a dúvida, a revolta, a
tristeza e o desespero às vezes, mas, muitas vezes, a procura de um
relacionamento.
Estabelecer essa relação o meio do sofrimento, é uma
loucura ou um desafio ?
A autora arriscou numa
reflexão mais aprofundada, enriquecida pela psicanálise e a filosofia, para
redescobrir a visão ética e os desafios da relação, sem deixar no entanto de apoiar-se
na história dos pacientes e das suas famílias. A convocação do outro, a
complexidade da sua pessoa, a responsabilidade dele, a busca de autonomia, a
importância da reciprocidade, a preocupação com a justiça, a busca de significado
é o que ocupou a sua reflexão e as suas leituras.
Ela criticou alguns discursos
convencionais sobre cuidados paliativos e do acompanhamento e questionou a
relação médico-paciente, tentando especificar em seguida algumas finalidades do
ato de cuidar. A medicina contemporânea, forte nas suas performances técnicas, objectiva
muitas vezes o corpo em detrimento do sujeito que é o paciente. No entanto, em
cuidados paliativos, como em outras áreas da medicina, queremos ter em conta as
várias dimensões da pessoa doente e prestar uma atenção especial à sua vida
psíquica, emocional e espiritual. O que o ajuda ainda a se estimar apesar das
suas diminuições físicas ou intelectuais isso até a sua morte. Os familiares
que às vezes se afastam, considerando-o talvez como já morto, são também
encorajados a manter um relacionamento com ele.
No momento da morte do
paciente e durante o luto, as famílias precisam de atenção especial. O hospital
onde morre 70% da população urbana, aceitará esta missão de solicitude, mas
também de prevenção ao encontro dos enlutados?
A abordagem holística do
paciente e dos seus familiares fundamenta e necessita também a
interdisciplinaridade. Esta combina a especificidade e a complementaridade de
competências individuais. A presença de voluntários em equipa
interdisciplinares é ainda incomum excepto nas estruturas de cuidados
paliativos, de geriatria e de pediatria: deveria ser generalizada.
Como a parceria com as famílias, a
interdisciplinaridade pressupõe a prática do diálogo. A necessidade de
promover uma ética dialógica foi, então, imposta como uma nova perspectiva.
Distinguindo as abordagens éticas, psicopatológica e filosófica entre os
pacientes, os familiares e os cuidadores, a autora apresentava, sem ser capaz
de enunciar claramente, a sua ligação profunda. A reflexão sobre o diálogo
ajudou-a.
As leituras filosóficas ajudaram-na a
entender que o diálogo poderia ser um paradigma ético. Diálogo e ética
estão inter-relacionados: a ética é condição do diálogo e o diálogo é condição
da ética na medida em que o diálogo é uma co elaboração de significado. A
abordagem psicanalítica também tem o seu lugar, ele ajuda a considerar o que
está em jogo na relação e no diálogo e o que provoca o contexto particular da
doença grave, da dependência, da proximidade da morte e do luto.
No termo deste trabalho ela tem a sensação
de ter feito uma longa viagem, desafiante e excitante ao mesmo tempo. Os seus
familiares foram testemunha e fizeram-lhe a pergunta-chave desta
investigação: "Para você, qual foi o mais difícil? "
Ela, provavelmente sustentou mais a sua
atenção durante as entrevistas que tinha em seguida de restituir de memória.
Ela não esperava ser tão exposta ao sofrimento dos outros, tendo exercido a sua
função na unidade há de dez anos. Ela foi magoada, às vezes revoltada, e
confrontada a questões existenciais. Pegar o tempo para pensar, enquanto ela
tinha que agir em conjunto com a sua equipa para tentar aliviar o paciente e
seus familiares, foi um exercício difícil. Este recuo é portanto benéfico!
A leitura de obras
filosóficas e psicanalíticas não é fácil; exige muita perseverança. A
consideração da vida psíquica do outro forçou-a a estar mais atenta a dela e
admitir a sua própria complexidade. O estudo dos conceitos psicanalíticos é
necessário, mas dispendioso em tempo e esforço. Este vaivém constante entre a
leitura e a sua experiência entre o mundo das famílias, inscrito nas narrativas
das entrevistas, abriu-lhe, através da experimentação, uma interessante obra hermenêutica.
Possa este trabalho, dar aos outros o gosto de tentar questionar-se
sobre a sua prática profissional através duma reflexão fundamental e
interdisciplinar.
Esta pesquisa, realizada em colaboração
com toda a equipa contribuiu para a mudança das suas atitudes em relação as
famílias cuja relação era difícil. Mais conscientes do sofrimento delas, eles
perceberam que a agressividade das famílias resultava daí, e que ela não lhes
estava pessoalmente dirigida.
As observações também mostraram a riqueza
das relações entre os pacientes, as suas famílias e a equipa, e como as
relações conflituosas evoluíram através da paciência, do diálogo e da
confiança. Falar de aliança terapêutica entre os três parceiros faz sentido. Em
tal aliança cada um recebe mais do que dá.
O benefício terapêutico não traz só na
qualidade e, por vezes, na quantidade de vida do paciente. Ela envolve os três
parceiros, pacientes, familiares e equipa, que cura por uma parte da sua
incapacidade de comunicar. O diálogo, e restabelecendo uma relação entre todos,
permite encontrar em conjunto um sentido nesta fase difícil da vida.
Cada um pode então, abandonar
seus sonhos de omnipotência, de suficiência e de imortalidade, e superar a
violência para ir, com solicitude, ao encontro do outro, onde o infinito
aparece.
Se a experiencia requer a escrita para a
sua conclusão, como transmiti-la depois? Nossa experiência de equipa de
cuidados paliativos poderá interessar outras áreas da medicina? Sim, tenho a
prova ao ter trabalhado regularmente com alguns serviços, mesmo quando outros
permanecem reticentes. Para que os cuidados paliativos não sejam marginalizados
da medicina preformativa opondo-se à sua concepção muita técnica do ser humano,
não é no seio mesmo da medicina que convém instaurar e sobretudo fomentar o
dialogue?
(*) Licenciada em Serviço Social pela Universidade
Católica / Pós-graduada Gestão Social das Organizações e da Qualidade no
Terceiro Sector pela Universidade Católica / Mestranda em Gerontologia Social /
Autora do livro “Olhares que Falam”
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