quarta-feira, 25 de outubro de 2017

CUIDAR DO RELACIONAMENTO NO FIM DA VIDA - FAMÍLIAS, DOENTES, CUIDADORES -

(*) Manuela Teixeira

1ªparte / Para abrir Diálogos
Longe de se contentar com uma resolução dos conflitos entre a equipa e algumas famílias o autor quis ouvir e tentar entender a dor subjacente. Foi suficiente, na grande maioria dos casos, perguntar o que eles sentiam: "Para você, qual é o mais difícil?”, para que a agressão ou a raiva começar a desaparecer. Ela tomou então consciência do esgotamento deles, das suas preocupações, dos seus sentimentos de culpa e da dificuldade do trabalho de separação, enquanto o paciente não pára de solicita-los para ajudá-lo a viver.
Embora específico, o sofrimento das famílias não pode ser isolado das dos pacientes nem dos cuidadores. Por isso, ela preocupou-se com o sofrimento dos três parceiros.
Ela ouviu atentamente o sofrimento de todos, considerou em seguida aquele que é comum a todos, com a aproximação da morte, o seu sofrimento próprio ou a de um ente querido: inquietude, ansiedade, solidão, ambivalência dos sentimentos, dificuldade para comunicar e falar autenticamente. Do seu lado, cada um sente a incerteza, a dúvida, a revolta, a tristeza e o desespero às vezes, mas, muitas vezes, a procura de um relacionamento.
Estabelecer essa relação o meio do sofrimento, é uma loucura ou um desafio ?
A autora arriscou numa reflexão mais aprofundada, enriquecida pela psicanálise e a filosofia, para redescobrir a visão ética e os desafios da relação, sem deixar no entanto de apoiar-se na história dos pacientes e das suas famílias. A convocação do outro, a complexidade da sua pessoa, a responsabilidade dele, a busca de autonomia, a importância da reciprocidade, a preocupação com a justiça, a busca de significado é o que ocupou a sua reflexão e as suas leituras.
Ela criticou alguns discursos convencionais sobre cuidados paliativos e do acompanhamento e questionou a relação médico-paciente, tentando especificar em seguida algumas finalidades do ato de cuidar. A medicina contemporânea, forte nas suas performances técnicas, objectiva muitas vezes o corpo em detrimento do sujeito que é o paciente. No entanto, em cuidados paliativos, como em outras áreas da medicina, queremos ter em conta as várias dimensões da pessoa doente e prestar uma atenção especial à sua vida psíquica, emocional e espiritual. O que o ajuda ainda a se estimar apesar das suas diminuições físicas ou intelectuais isso até a sua morte. Os familiares que às vezes se afastam, considerando-o talvez como já morto, são também encorajados a manter um relacionamento com ele.
No momento da morte do paciente e durante o luto, as famílias precisam de atenção especial. O hospital onde morre 70% da população urbana, aceitará esta missão de solicitude, mas também de prevenção ao encontro dos enlutados?
A abordagem holística do paciente e dos seus familiares fundamenta e necessita também a interdisciplinaridade. Esta combina a especificidade e a complementaridade de competências individuais. A presença de voluntários em equipa interdisciplinares é ainda incomum excepto nas estruturas de cuidados paliativos, de geriatria e de pediatria: deveria ser generalizada.
Como a parceria com as famílias, a interdisciplinaridade pressupõe a prática do diálogo. A necessidade de promover uma ética dialógica foi, então, imposta como uma nova perspectiva. Distinguindo as abordagens éticas, psicopatológica e filosófica entre os pacientes, os familiares e os cuidadores, a autora apresentava, sem ser capaz de enunciar claramente, a sua ligação profunda. A reflexão sobre o diálogo ajudou-a.
As leituras filosóficas ajudaram-na a entender que o diálogo poderia ser um paradigma ético. Diálogo e ética estão inter-relacionados: a ética é condição do diálogo e o diálogo é condição da ética na medida em que o diálogo é uma co elaboração de significado. A abordagem psicanalítica também tem o seu lugar, ele ajuda a considerar o que está em jogo na relação e no diálogo e o que provoca o contexto particular da doença grave, da dependência, da proximidade da morte e do luto.
No termo deste trabalho ela tem a sensação de ter feito uma longa viagem, desafiante e excitante ao mesmo tempo. Os seus familiares foram testemunha e fizeram-lhe a pergunta-chave desta investigação: "Para você, qual foi o mais difícil? "
Ela, provavelmente sustentou mais a sua atenção durante as entrevistas que tinha em seguida de restituir de memória. Ela não esperava ser tão exposta ao sofrimento dos outros, tendo exercido a sua função na unidade há de dez anos. Ela foi magoada, às vezes revoltada, e confrontada a questões existenciais. Pegar o tempo para pensar, enquanto ela tinha que agir em conjunto com a sua equipa para tentar aliviar o paciente e seus familiares, foi um exercício difícil. Este recuo é portanto benéfico!
A leitura de obras filosóficas e psicanalíticas não é fácil; exige muita perseverança. A consideração da vida psíquica do outro forçou-a a estar mais atenta a dela e admitir a sua própria complexidade. O estudo dos conceitos psicanalíticos é necessário, mas dispendioso em tempo e esforço. Este vaivém constante entre a leitura e a sua experiência entre o mundo das famílias, inscrito nas narrativas das entrevistas, abriu-lhe, através da experimentação, uma interessante obra hermenêutica.
Possa este trabalho, dar aos outros o gosto de tentar questionar-se sobre a sua prática profissional através duma reflexão fundamental e interdisciplinar.
Esta pesquisa, realizada em colaboração com toda a equipa contribuiu para a mudança das suas atitudes em relação as famílias cuja relação era difícil. Mais conscientes do sofrimento delas, eles perceberam que a agressividade das famílias resultava daí, e que ela não lhes estava pessoalmente dirigida.
As observações também mostraram a riqueza das relações entre os pacientes, as suas famílias e a equipa, e como as relações conflituosas evoluíram através da paciência, do diálogo e da confiança. Falar de aliança terapêutica entre os três parceiros faz sentido. Em tal aliança cada um recebe mais do que dá.
O benefício terapêutico não traz só na qualidade e, por vezes, na quantidade de vida do paciente. Ela envolve os três parceiros, pacientes, familiares e equipa, que cura por uma parte da sua incapacidade de comunicar. O diálogo, e restabelecendo uma relação entre todos, permite encontrar em conjunto um sentido nesta fase difícil da vida.
Cada um pode então, abandonar seus sonhos de omnipotência, de suficiência e de imortalidade, e superar a violência para ir, com solicitude, ao encontro do outro, onde o infinito aparece.
Se a experiencia requer a escrita para a sua conclusão, como transmiti-la depois? Nossa experiência de equipa de cuidados paliativos poderá interessar outras áreas da medicina? Sim, tenho a prova ao ter trabalhado regularmente com alguns serviços, mesmo quando outros permanecem reticentes. Para que os cuidados paliativos não sejam marginalizados da medicina preformativa opondo-se à sua concepção muita técnica do ser humano, não é no seio mesmo da medicina que convém instaurar e sobretudo fomentar o dialogue?


(*) Licenciada em Serviço Social pela Universidade Católica / Pós-graduada Gestão Social das Organizações e da Qualidade no Terceiro Sector pela Universidade Católica / Mestranda em Gerontologia Social / Autora do livro “Olhares que Falam”

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